domingo, 27 de novembro de 2016

"COM A PALAVRA, O ESPECIALISTA" DOUTOR HÉLIO SATO!


Depois de falar o que é a endometriose como deve ser feito o diagnóstico da doença, no terceiro vídeo da série sobre endometriose o doutor Hélio Sato aborda o impacto da doença na qualidade de vida de uma mulher tanto na área pessoal, abordando a dispareunia, quanto na familiar, no trabalho e nos estudos. Já falamos aqui no A Endometriose e Eu que segundo estudo americano a dor durante e após as relações sexuais afeta cerca de 50% das portadoras. Depois da atividade sexual vem a vida familiar com 36% e em seguida com 35 e 32%, respectivamente, estão o desempenho escolar e a falta no trabalho. Aperte o play! Beijo carinhoso! Caroline Salazar

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

PUBLIEDITORIAL: VOCÊ SABIA QUE A ENDOMETRIOSE PODE SER FACILMENTE CONFUNDIDA COM OUTRAS DOENÇAS?


Recadinho da Laura para você! 


Por Caroline Salazar

Apesar de ser a doença ginecológica com mais artigos científicos publicados nos últimos 20 anos, a endometriose ainda é uma doença complexa e com atraso no diagnóstico, pois muitos dos seus sintomas são confundidos com os de outras doenças. De acordo com estudos, cerca de 50% das mulheres diagnosticadas com a Síndrome do Cólon Irritável tinham endometriose. A média mundial para diagnóstico da doença é de sete a 12 anos.

O conhecimento antiquado e também a falta dele sobre novas pesquisas por parte dos médicos também torna o diagnóstico tardio. A maioria das mulheres precisa ir a muitos, mas muitos médicos para receberem o diagnóstico. Cerca de 26% das mulheres foram encaminhadas para outros especialistas antes de ser vista pelo seu ginecologista atual. Um número alto se tratando de uma doença que interfere na qualidade de vida impactando nos principais anos de vida da mulher.

Por isso ser acompanhada por aquele especialista que realmente entende da doença e que trata a mulher como um todo faz toda diferença no correto tratamento para que a endomulher volte a ter sua qualidade de vida. Atualmente há no mercado drogas modernas desenvolvidas especialmente para tratar a endometriose. Dentre as disponíveis está o Alurax – dienogeste 2mg -, que controla melhor a doença para aquelas que não há urgência em fazer a cirurgia. 

O Alurax contém 30 comprimidos e é fabricado pela Momenta Farmacêutica. Uma das missões da Momenta é justamente "promover o acesso à saúde e à qualidade de vida com tratamentos a preço justo”. Com cerca de três anos de atuação, a Momenta tem qualidade garantida e já é reconhecida pela comunidade médica, pelos farmacêuticos e pelos farmacistas. Converse com seu especialista em endometriose a respeito do Alurax. Vale lembrar que todo medicamento deve ser prescrito pelo seu especialista. Não tome nenhum remédio sem o consentimento de seu médico. 

Algumas redes de drogarias estão vendendo pela internet o Alurax muito mais em conta que nas farmácias físicas – cerca de 20% mais barato que o preço original -, como é o caso da Drogaria São Paulo e Drogasil. Se você tiver dificuldade de encontrar o Alurax em sua cidade, vou deixar o telefone do SAC para você saber quando ele estará disponível na farmácia mais próxima de sua casa: 0800 703 1550 ou se preferir envie email para central@momentafarma.com.br. 



terça-feira, 22 de novembro de 2016

"A VIDA DE UM ENDOMARIDO": COMO CONSEGUIMOS NA JUSTIÇA QUE NOSSO CONVÊNIO ARCASSE COM NOSSA FIV?

Faby e Igor Cayres com os gêmeos Mariana e Gabriel - Foto: divulgação

Em "A Vida de um EndoMarido", pela segunda vez como endomarido convidado, o produtor cultural Igor Cayres, conhecido no instagram como @papaipig, conta em detalhes como ele e sua esposa, a Faby, conseguiram por meio da justiça que seu convênio médico arcasse com todos os custos da fertilização in vitro, medicações para realizar tal procedimento, consultas de pré-natal e parto. Detalhe: com o médico a escolha do casal. Como esse tipo de processo ainda é novo e o deles é um dos primeiros tenho certeza que este texto vai levar ainda mais fé e esperança a muitas endomulheres. Quando vejo um caso de sucesso como o de Igor dá para acreditar que a justiça brasileira ainda está a favor do povo. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por Igor Cayres
Edição: Caroline Salazar

A convite do blog A Endometriose e Eu, mas sobretudo para que a minha experiência seja útil aquelas, e por que não dizer também “aqueles”, que sonham em formar uma família, ter filhos, mas encontram sérios obstáculos devido à endometriose e seus altos custos de tratamento, há uma luz no fim do túnel, e ela se chama “Justiça”.

Já descrevi aqui como descobri ser um endomarido, hoje descreverei em detalhes como obtivemos êxito no quesito financiamento de nossa fertilização in vitro  por meio de ação judicial.

A endometriose tem quatro estágios e, dependendo do estágio da doença na mulher, a gravidez só é possível via fertilização in vitro. Dessa forma, o primeiro passo para se iniciar um processo desse tipo é ter o diagnóstico preciso de um profissional de saúde especializado. Ele te entregará um relatório médico, que deverá constar o procedimento clínico a ser adotado para o referido caso. Dotado desse documento - exames de imagem também são úteis -, a petição inicial deve  ser redigida por um advogado.

E foi isso que fizemos, mas no decorrer do processo, e de muitas formas a operadora tentou “nublar” o entendimento do juízo.

A ré (operadora) apresentou contestação, alegando, em síntese, que o contrato firmado entre as partes não prevê cobertura para o tratamento de FERTILIZAÇÃO IN VITRO, por ausência de previsão no Rol de Procedimentos Obrigatórios da Agência Nacional de Saúde (ANS). Disseram também que haveria abalo econômico caso autorizasse tais procedimentos, vez que a contraprestação deve estar de acordo com a mensalidade da Requerente (minha esposa).

Mas cabe salientar, e há de se dizer que o rol da ANS não é taxativo (exclusivo). Este – pela própria essência do contrato de planos de saúde – somente pode ser exemplificativo.

A operadora ainda alegou que se tratava apenas de procedimento de inseminação artificial com a finalidade da requerida (a Faby) de ser mãe, tentando descontextualizar a sua patologia, e o ÚNICO tratamento viável para conter a gravíssima doença que a acometia, a endometriose SEVERA!

Diante dos argumentos da ré, nosso pedido foi NEGADO em primeira instância, mas decidimos recorrer aos desembargadores já que tal postura mostrava-se ao nosso entendimento abusivo, diante do entendimento sedimentado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, conforme trecho de decisão “Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”

Nem tudo na vida e na justiça é “preto no branco”, como dizia meu saudoso avô, e o cerne da questão no nosso processo é a valorização da vida humana por meio da função social do contrato firmado com a operadora de saúde.

Vale salientar que um contrato de planos de assistência à saúde é um contrato aleatório, ou seja, é um contrato causal, em que a contraprestação somente se efetivará em caso de eventual fato ou ato que abale a saúde do contratante, que pode até passar uma vida inteira sem necessitar receber quaisquer cuidados para o restabelecimento de sua saúde, sem que o contrato esteja prejudicado.

O fato é que a endometriose não tem cura, mas com o devido tratamento pode-se alcançar bons resultados. As pacientes que sofrerem de endometriose podem se beneficiar da fertilização in vitro para conter a progressão da doença e evitar a amputação precoce de órgãos vitais como: rins, bexiga, intestino e aparelho reprodutor e melhorar assim a qualidade de vida. Portanto, a jurisprudência atual (entendimentos dos juízes) é que o tratamento prescrito pelo médico é o que deve prevalecer, ou seja, a escolha da melhor opção de tratamento a ser destinado ao paciente compete única e exclusivamente à equipe médica, conforme já pautado pelo Poder Judiciário em outras ações de cunho de saúde, e se faz absolutamente necessário por tempo indeterminado.

Dessa forma, com esses argumentos, recorremos da decisão emitida pelo Juízo de piso (1ª instância). Meses se passaram até que o nosso recursos fosse julgado e, para nossa felicidade, e para celebrar a vida, obtivemos ganho de causa por unanimidade dos juízes de 2ª instância, ou seja, nosso pedido de liminar (decisão que analisa um pedido urgente) foi aceito,  e nossa operadora de saúde custeou todo o tratamento prescrito pelo nosso médico, em estrito cumprimento ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Fizemos tudo mediante liminar, e apenas uns meses atrás, cerca de um ano e meio após o nascimento dos geminhos, foi que saiu a decisão final a nosso favor.

E para termos êxito em nosso tratamento foram necessárias quatro fertilizações in vitro, como já contamos aqui no blog a história da Faby. A primeira foi custeada por nós, as outras três pela operadora de saúde via liminar judicial. Na primeira FIV o embrião não se desenvolveu em laboratório, e as outras duas foram marcadas por dois abortos. Somente na quarta tentativa que conseguimos ter uma gravidez a termo, gemelar, e de um casal. Hoje temos a Mariana e o Gabriel em casa, bebês lindos e saudáveis!

Se puder dar uma dica para o processo judicial escolham um advogado especializado na área de saúde, o caminho será menos doloroso e fluido. Abraço e boa sorte!

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

DAVID REDWINE: SAMPSON ESTAVA ERRADO? PARTE 2

Uma das múltiplas ilustrações de endometriose presentes em artigo [1] publicado por Sampson. Ele levava seu desenhista particular para as cirurgias. Fica claro por essa ilustração seu maior destaque à doença nos ovários (ovário esquerdo com volumoso endometrioma). [1] Sampson JA. Perforating hemorrhagic (chocolate) cysts of the ovary. Their importance and especially their relation to pelvic adenomas of endometrial type (“adenomyoma” of the uterus, rectovaginal septum, sigmoid, etc.). Arch Surg 1921;3:245–323.

Na segunda parte do texto "Sampson estava errado?" (leia a parte 1 aqui), o doutor Redwine continua sua contestação sobre a teoria da menstruação retrógrada e explica o motivo que a endometriose não pode ser considerada uma doença autoimune. No texto o cientista americano aborda a teoria da metaplasia celômica como a que mais explica a forma como a doença se origina, teoria que explica também a doença em homens - leia aqui texto endometriose em homens (texto 1 e texto 2) e as formas raras da doença -, em crianças (leia os textos sobre endometriose em fetos (texto 1 e texto 2) e até mesmo em locais distantes da pelve, como pulmões diafragma e etc. Vale muito a pena você ler a nota do tradutor escrita pelo doutor Alysson Zanatta, onde ele explica de uma maneira simples e didática o que o doutor Redwine disse no texto. Mais um texto exclusivo do blog A Endometriose e Eu que vai te fazer pensar e repensar sobre a real origem da endometriose. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Erros contínuos de interpretação:

Ainda é possível lermos que os ovários são os locais mais comuns da doença. Esse conceito estava sendo desacreditado pelo próprio Sampson e por suas evidências em 1927, e hoje não tem nenhum lugar na discussão moderna sobre endometriose. Estudos recentes sobre a endometriose em todas as suas formas morfológicas indicam claramente que o fundo de saco é o local mais comum de acometimento pélvico [15]. Mesmo se a frequência de acometimento do ovário direito for acrescentada àquela do ovário esquerdo e tomada como uma área única total, a frequência de acometimento ovariano ainda é inferior àquelas do fundo de saco, ligamento largo esquerdo, ligamento útero-sacro esquerdo, ligamento largo direito, e ligamento útero-sacro direito.

Uma das consequências previstas pela teoria de Sampson é que mais áreas pélvicas deveriam ser acometidas pela endometriose com o passar do tempo. Se houvesse semeadura mensal de endométrio, a pelve se encheria de endometriose da mesma forma que um pasto se encheria de ervas-daninhas. Mulheres mais velhas deveriam ter mais doença que mulheres mais novas, e a maioria das pacientes não tratadas deveriam desenvolver doença mais severa ao longo do tempo. Tal característica progressiva e de disseminação é largamente acreditada entre os médicos. Mas qual a evidência de que isso realmente ocorra? De fato, nenhuma até o momento. Mulheres mais velhas não têm mais doença que mulheres mais jovens, independente se a doença é medida pelo número de locais acometidos [16], pela classificação revisada da American Fertility Society (AFS) [17], ou em centímetros quadrados de peritônio acometido pela doença. A maioria das pacientes não tratadas não apresenta progressão da doença entre as cirurgias [19, 20, 21, 22].

Outra das consequências previstas pela teoria de Sampson é que seria impossível curar a endometriose, já que haveria nova semeadura na pelve por menstruação retrógrada mensal. Atualmente, sabe-se por mais de meio século que a endometriose pode ser curada por cirurgia conservadora (nota do tradutor: SEM a realização de histerectomia e/ou ooforectomia, retirada do útero e dos ovários, respectivamnete) [23] e que as taxas de recorrência após cirurgia conservadora são extremamente baixas [24, 25, 26, 26, 28, 29, 30, 31]. E que estudos modernos confirmam taxas de cura superiores a 50% após uma cirurgia conservadora por laparoscopia [32] ou laparotomia [33] em casos “resistentes” ou difíceis.

A misteriosa circulação na cavidade peritoneal:

Uma mutação particularmente aberrante da teoria de Sampson tenta explicar um pequeno aumento na frequência de acometimento no lado esquerdo da pelve. Supõe-se que exista uma circulação intraperitoneal de líquidos do quadrante superior esquerdo em direção ao fundo de saco, então ascendendo ao quadrante superior direito. Assim, um redemoinho dessa circulação causado pelo efeito mecânico protetor das aderências fisiológicas do retossigmoide ao bordo pélvico superior esquerdo predisporia à deposição de células regurgitadas no lado esquerdo da pelve, que é mais protegido pelo sigmoide. A “prova” da existência de tal circulação é duvidosa. Em um estudo com natimortos, criou-se perfurações nos intestinos e injetou-se bário continuamente por 3 horas fazendo-se radiografias para acompanhar o fluxo do bário [34]. Dependendo de onde havia sido criada a perfuração, o bário poderia literalmente dispersar-se em qualquer direção. Em uma natimorta, fez-se uma perfuração no útero e foi injetado bário com uma pressão de 100 mmHg, observando-se que seguiu para o quadrante superior direito! Em outro estudo [35], passaram-se cateteres através da margem costal direita de macacos e os avançaram até a fossa ilíaca direita. Colocou-se outro cateter no quadrante superior esquerdo da cavidade peritoneal, sem avançá-los. Injetou-se albumina radioativa pelo segundo cateter e observou-se que essa seguia o trajeto do primeiro cateter, o que seria esperado. É espantoso que tais evidências sejam utilizadas para justificarem a teoria da menstruação retrógrada.

O braço imune da teoria de Sampson:

Uma pergunta persistente relacionada à teoria da menstruação retrógrada é porque nem todas as mulheres desenvolvem endometriose. Sabe-se que entre 80% [36] e 90% das mulheres com trompas uterinas pérvias têm menstruação retrógrada, enquanto apenas 15% das mulheres com trompas bloqueadas têm fluido peritoneal sanguinolento durante as menstruações [37]. Isso sugere que a frequência de sangue na cavidade peritoneal devido à menstruação retrógrada seja de aproximadamente 75- 80%, ao invés de 100% como comumente sugerido. Em qualquer das situações, parece seguro afirmar que a maioria das mulheres tem menstruação retrógrada, mas não desenvolvem endometriose. Enquanto uma conclusão rápida e óbvia seria afirmarmos que a menstruação retrógrada não tem nada a ver com a endometriose, os defensores da teoria de Sampson criaram uma nova mutação para explicar o fato com base em uma teoria imune.

O braço imune da teoria de Sampson afirma que mulheres com endometriose possuem um sistema imune defeituoso, incapaz de identificar e destruir células endometriais refluídas, e que então essas células poderiam se aderir à superfície peritoneal, proliferarem e invadirem para se transformarem na doença conhecida como endometriose. Em mulheres com sistemas imunes normais, as células refluídas são supostamente atacadas e digeridas antes que possa haver a adesão peritoneal. Como uma das funções do sistema imune é identificar “o não-próprio”, uma objeção imediata à essa teoria é que não se esperaria que o sistema imune atacasse células endometriais refluídas em um primeiro momento, pois elas são células “próprias”.

Se todas as mulheres destinadas a terem endometriose tivessem sistemas imunes defeituosos, então deveria haver um número extraordinariamente alto de doenças autoimunes, cânceres, e infecções oportunistas em quase 100% das mulheres com endometriose. Entretanto, um grande estudo baseado em questionários de mulheres com endometriose cirurgicamente comprovadas demonstrou que a maioria das mulheres com endometriose não tem doenças endocrinológicas, doenças inflamatórias autoimunes, ou dor crônica e fadiga, sendo a prevalência dessas condições entre 0,5% e 9,6% [38]. Apesar disso, as prevalências foram aumentadas cerca de 0,9 a 180,5 vezes em relação a controles populacionais históricos [38]. Um estudo populacional na Suécia mostrou um pequeno aumento de cânceres ovariano, mamário e hematológico entre pacientes com endometriose, mas ficou claro que a maioria das mulheres com endometriose não desenvolve câncer [39].  Além disso, ninguém documentou um aumento do número de infecções oportunistas em mulheres com endometriose. Outro problema com essa teoria é que ninguém demonstrou evidências dessa guerra imunológica que supostamente ocorreria na pelve de mulheres com sistema imune normal e que não desenvolvem endometriose. Em teoria, deveria haver provas fáceis de fotografias microscópicas demonstrando a destruição de endométrio refluído pelos macrófagos, já que isso deveria estar ocorrendo bilhões de vezes.

Uma menor atividade das células natural killer (NK) é identificada contra o endométrio autólogo, devido tanto a um defeito na atividade das células NK como à resistência do endométrio à atividade da célula NK [40], e esse defeito torna-se mais pronunciado com o aumento da gravidade da doença [41]. Esse defeito persiste após a remoção da endometriose, indicando que aparentemente não seja causado pela endometriose em si, mas por algum defeito de outra origem [42]. O defeito das células NK pode ser secundário a um efeito desconhecido dos endometriomas ovarianos sobre o útero, já que a remoção dos ovários causa uma melhora na atividade das células NK [43]. Portanto, as evidências sugerem que a atividade das células NK não está relacionada diretamente à endometriose, e parece improvável que esteja relacionada à sua causa da maneira como é postulada.

O sistema imune pode ser ativado em pacientes com endometriose, com uma maior atividade de macrófagos no próprio líquido peritoneal [44] assim como na lesão de endometriose [45].

É claro que a maioria das mulheres com endometriose não tem problemas no sistema imunológico, mas que seus sistemas imunológicos são dinâmicos e ativos, produzindo uma resposta inflamatória apropriada aos efeitos da doença. Algumas, mas não todas, podem ter alterações imunológicas, mas seria incorreto concluir que essas alterações teriam qualquer coisa a ver com a facilitação da adesão de células endometriais refluídas.

Onde está a evidência?

Eu e o doutor David Redwine, em 2014, quando ele esteve no Brasil.

Apesar de quase 100 anos de pesquisas, a teoria de Sampson permanece suportada apenas por evidências circunstanciais. A maneira mais simples de se provar a teoria de Sampson seria obter fotografias microscópicas dos passos que estão faltando: (1) adesão inicial de fragmentos de endométrio às superfícies peritoneais. (2) Proliferação secundária e invasão das células aderidas. Essas duas etapas ocorreriam aos bilhões ao longo de qualquer ano, então seria simples fotografar uma ou ambas as etapas, e nossos livros estariam cheios de claras evidências fotográficas de centenas de milhares de exemplos de adesão celular inicial. Apesar da facilidade de tal comprovação, tais fotografias microscópicas não existem como prova. Pesquisadores que avaliam o conceito de endometriose microscópica não encontraram evidências de adesão celular em centenas de biópsias de peritônio normal em pacientes com endometriose [46, 47, 48, 49, 50, 51].

... apesar de quase 100 anos de pesquisas, a teoria de Sampson permanece suportada apenas por evidências circunstanciais...

Os perigos da teoria de Sampson

Enquanto seja difícil dizer qualquer coisa de positivo sobre a teoria da menstruação retrógrada como a origem da endometriose, a história piora. A teoria de Sampson da menstruação retrógrada impede progressos na pesquisa e no tratamento da endometriose. Como todas as falhas de tratamento podem ser explicadas por essa teoria, o médico não precisa se preocupar se o tratamento utilizado é eficaz, pois “todo mundo sabe que a doença volta devido à menstruação retrógrada”. Assim, os médicos podem orgulhosamente bater no peito e exultarem que a dor é reduzida durante a supressão ovariana, imaginando que a doença pode estar erradicada ou “secada”. Quando a dor volta após o término da supressão hormonal, pode ser dito à paciente que o motivo não foi a falha da medicação em erradicar a doença, mas porquê é da natureza da doença que ela recorra. Pensa-se que a endometriose seja uma doença crônica, incurável, enigmática, recorrente, com disseminação progressiva que pode ser tratada apenas com a remoção do útero, das trompas e dos ovários (os quais são infrequentemente acometidos pela doença). Parece que a visão pessimista é resultado de várias gerações de médicos que observaram os resultados ineficazes de tratamento clínico ou de cirurgias incompletas, culpando a teoria de Sampson como responsável pelas falhas de tratamento, e ignorando a possibilidade de cura pela completa remoção da doença do corpo.

... a teoria de Sampson da menstruação retrógrada impede progressos na pesquisa e tratamento da endometriose. Já que todas as falhas de tratamento podem ser explicadas por essa teoria, o médico não precisa se preocupar se o tratamento utilizado é eficaz, pois “todo mundo sabe que a doença volta devido à menstruação retrógrada”...

A teoria de Sampson prejudica as pesquisas sobre a endometriose porque muito dinheiro e muitas mentes são dedicadas a perseguirem essa teoria, e múltiplos esforços intelectuais não levaram a lugar algum. Seria muito mais barato e produtivo se os esforços fossem direcionados a obterem fotografias microscópicas da adesão celular inicial. Se a adesão celular não ocorre, então seria desnecessário desperdiçar mais tempo na teoria da menstruação retrógrada, e então poderia haver progressos reais.

... a teoria de Sampson prejudica as pesquisas sobre a endometriose porque muito dinheiro e muitas mentes são dedicadas a perseguirem essa teoria, e múltiplos esforços intelectuais não levaram a lugar algum...

O novo paradigma da endometriose: o que é antigo torna-se moderno novamente:

No vácuo criado pela aceitação da teoria da menstruação retrógrada para explicar a origem da endometriome, a metaplasia celômica, como defendida por Novak [11], Moench [52] e Gruenwald [53], alcança o topo da limitada lista de possíveis causas para doença, com certos insights e modificações: fatores poligênicos e/ou ambientais presentes no momento da concepção resultam na presença de um substrato mesenquimal responsivo ao estrogênio, semeado durante a embriogênese em tratos ou locais que seguem, mais ou menos, os caminhos da organogênese fetal pélvica, caudalmente ao longo do epitélio celômico posterior. A distribuição dos tratos pode variar de mulher para mulher, e o potencial biológico inerente destes também pode variar em diferentes locais na mesma pelve. Por exemplo, tratos distribuídos por estruturas parenquimais, como os ligamentos útero-sacros ou da camada muscular da bexiga ou do intestino, têm o potencial de sofrerem metaplasia muscular que não é vista na endometriose peritoneal ou ovariana. Substratos indiferenciados em garotas ou mulheres jovens não apresentam uma morfologia distinta que permitiria que fossem identificados durante a cirurgia. Durante a puberdade, o aumento da produção de estrogênio pelos ovários faz com que esses tratos indiferenciados passem por metaplasia em várias formas pré-ordenadas de endometriose ou endosalpingiose, com as muitas possíveis diferenças observadas do ponto de vista histológico, morfológico e funcional. Em um processo de metaplasia semelhante àquele da metaplasia escamosa do colo uterino, as mulheres terão desenvolvido essencialmente todas as lesões de endometriose de sua vida por volta dos 25 anos de idade. Aqueles locais destinados a passarem por hiperplasia fibromuscular ou alterações adenomióticas poderão continuar a fazê-los até a quarta década de vida. Esse modelo de metaplasia determinado embriologicamente, uma derivação do conceito de Mülleriose [13], prediz os resultados cirúrgicos observados após cirurgias conservadoras de ressecção de endometriose [32, 33]. Se durante a cirurgia, toda a endometriose e o tecido subjacente destinado a se tornar endometriose forem removidos, então a endometriose pode ser curada por uma única cirurgia. Se toda a endometriose é removida, mas não todo o tecido subjacente indiferenciado e sensível ao estrogênio, então é possível que haja a recorrência da doença. Entretanto, tal doença recorrente será quase sempre menor que a doença inicial [32], já que a maioria do tecido subjacente já terá se transformado em endometriose. Se o útero, as trompas e os ovários são removidos, mas a endometriose não é tratada, as pacientes terão risco de persistirem com sintomas, especialmente se elas tiverem doença profunda ou acometimento intestinal [54]. Fatores de crescimento locais associados com a metaplasia da cicatrização podem induzir à formação de pequenas lesões superficiais de endometriose nas margens cirúrgicas. Algumas pacientes podem ter alterações Müllerianas uterinas associadas, como adenomiose ou miomas, e que podem motivar cirurgias futuras. Gruenwald destacou que esse modelo pode explicar a ocorrência de endometriose em qualquer local do corpo em homens [55, 56, 57], já que todos os fetos contêm tecidos Müllerianos (nota do tradutor: que formarão órgãos genitais femininos) e Wolffianos (nota do tradutor: que formarão órgãos genitais masculinos) entre 6 a 8 semanas de desenvolvimento.

A grande probabilidade de que a menstruação retrógrada não seja a causa da endometriose é uma das principais justificativas para se aprender sobre a excisão máxima da doença, pois a cura da endometriose está ao alcance de habilidosos cirurgiões ao redor do mundo. Outro motivo para se aprender sobre a ressecção máxima é que as pacientes são verdadeiramente ajudadas pela excisão da endometriose, tornando-se uma experiência transformadora na vida de ambos: paciente e cirurgião.

... a grande probabilidade de que a menstruação retrógrada não seja a causa da endometriose é uma das principais justificativas para se aprender sobre a excisão máxima da doença, pois a cura da endometriose está ao alcance de habilidosos cirurgiões ao redor do mundo...

Nota do Tradutor: 


Queridas Leitoras do Blog A Endometriose e Eu
Na segunda parte de seu artigo, o Dr. Redwine argumenta contrariamente, item por item, as conclusões equivocadas que embasam a teoria da menstruação retrógrada de Sampson. Por exemplo, ele destaca que a hipótese da endometriose ser uma doença autoimune, causada por uma “falha na limpeza das células na cavidade pélvica”, não se sustenta. Isso simplesmente porque as células do sistema imune não atacam as próprias células endometriais da mulher, fato que supostamente ocorreria bilhões de vezes. Também não há uma maior frequência de doenças autoimunes em mulheres com  endometriose, contrariando a hipótese de que as mulheres portadoras teriam alterações em sua imunidade.
Ao final do artigo, o Dr. Redwine propõe a metaplasia celular (a transformação de um tipo de celular em outro) como a principal teoria para explicar o desenvolvimento da endometriose. Células indiferenciadas presentes fora do útero, já desde o período embrionário, se transformariam nas lesões de endometriose sob estímulo do estrogênio, ao longo de parte da vida da mulher. A metaplasia celular pode explicar endometriose em homens, em crianças, e em locais distantes da pelve, como pulmões. Apesar de lógica, a teoria é pouco aceita, por fatores diversos que abordei no artigo “Os 10 MotivosPorque Infelizmente Acreditamos que a Endometriose Seja Causada PelaMenstruação Retrógrada"

Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e ex-professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 


terça-feira, 15 de novembro de 2016

DAVID REDWINE: SAMPSON ESTAVA ERRADO? - PARTE 1

John Albertson Sampson com seu cão e seu carro. Sampson não constituiu família.  Ao morrer, doou sua fortuna para a Universidade de Albany, onde fez a sua carreira acadêmica.

Mais uma vez o médico e cientista americano doutor David Redwine aborda de uma maneira clara os pontos principais que fazem a teoria de Sampson ser fadada ao fracasso. Por conta do tamanho dividi o texto em duas partes para que haja maior compreensão. Nesta primeira parte ele enumera as falhas que tornam esta teoria descrita em 1921 impossível de ser verdadeira. Mas porque ela ainda é aceita pela maioria dos médicos? Porque os alunos aprendem com seus professores que aprenderam com seus professores e tanto um quanto o outro (no caso os alunos) aceitam o antigo que não tem comprovação científica porque não querem abrir a mente para o novo, que nem é tão novo assim? Aliás, a teoria proposta por Redwine como sendo a possível causa da endometriose, a da metaplasia celômica, é dois anos mais velha que a teoria mais aceita pela maioria dos especialistas. Falaremos sobre isso nas partes finais do texto. A meu ver falta questionamento dos alunos, falta pesquisa para saber o que tem de comprovação científica na área, falta interesse mesmo de tentar fazer diferente. Beijo carinhoso! Caroline Salazar

Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Sampson estava errado?

Endometriose é definida como a presença de um tecido que se assemelha, de alguma forma, ao endométrio que reveste o interior do útero. Ela acomete cerca de 10% da população feminina em seus anos reprodutivos, e pode causar dor menstrual ou não menstrual, assim como infertilidade. A teoria mais aceita para explicar a sua origem é a teoria da menstruação retrógrada de Sampson [1]. Na versão final de sua teoria, Sampson [1] propôs que a endometriose ocorre como resultado de sangue menstrual refluído através das trompas uterinas, este sangue carregando consigo células endometriais viáveis que poderiam se aderir às superfícies peritoneais, proliferarem, invadirem, e se transformarem na doença conhecida como endometriose.

Essa teoria passou por múltiplas adaptações pelo próprio Sampson e por outros para acomodar novas informações. É interessante ler os trabalhos iniciais e um dos últimos trabalhos de Sampson, como um guia para entendermos completamente os pensamentos que moldaram a sua teoria [2].

Sampson desponta no cenário da endometriose em 1921 [3], com uma pesquisa feita com 23 pacientes que tinham cistos de conteúdo achocolatado, apesar da endometriose ter sido confirmada por biópsia em apenas nove casos. Esta atenção focada nos ovários o convenceu que estes eram os locais mais comuns da endometriose, e ele propôs que a doença surgia nos ovários como resultado de metaplasia (nota do tradutor: transformação de um tipo celular em outro), ou restos embrionários. Ele notou que os ovários acometidos pela endometriose estavam frequentemente aderidos à parede pélvica lateral ou ao útero, locais nos quais também eram possíveis se encontrar endometriose. Ele deduziu que a endometriose presente nesses locais da pelve contíguos aos ovários era resultado da extensão direta ou da semeadura do sangue menstrual provindo dos cistos de endometriose ovarianos, ou de doença superficial proveniente do córtex ovariano. Assim como Cullen [4, 5, 6, 7], Stevens [8] e Lockyer [9] que o antecederam, ele descreveu aderências severas entre o reto e o útero no fundo de saco de Douglas que poderiam acompanhar os endometriomas ovarianos, e propôs que tais aderências seriam resultantes de uma irritação peritoneal contínua devido a extravasamento líquido mensal proveniente dos cistos ovarianos. Apesar de ele ter reconhecido que a endometriose poderia estar presente na forma “adenomiomatosa” abaixo das aderências com acometimento tanto da parede retal como do estroma cervical, o seu foco nessa forma da doença (a qual agora é conhecida como bloqueio de fundo de saco) foi mais de um ponto de vista de processo aderencial do que propriamente um processo endometriótico. Observando que apenas nove de 16 mulheres casadas tinham engravidado, em uma época quando se esperava que a taxa de gestação fosse próxima de 100%, Sampson introduziu o conceito de que a gestação protegia contra a endometriose, ou que a infertilidade a causava. Isso foi antes que fatores tubáreo, ovulatório e masculino fossem comumente reconhecidos como possíveis fatores de infertilidade, e certamente bem antes do conhecimento atual de que a dor (e não a infertilidade) é o sintoma mais comum e mais específico da endometriose.  Naquele tempo, o termo “adenomioma” era usado para descrever a forma histológica do que hoje é conhecido como endometriose invasiva ou profunda, onde a glândula e o estroma da endometriose são circundados por um denso tecido fibromuscular metaplásico que de alguma forma se assemelha ao que pode ser visto em um leiomioma.

Com maior experiência e influenciado pela antiga literatura, Sampson mudou seus pensamentos em 1922, apesar de não necessariamente para uma forma mais clara [10]. Ele notou que Russel em 1899 havia se referido a trabalhos de Nagel e Waldeyer, que haviam descoberto que o epitélio germinativo da parede fetal posterior originava todas as estruturas Müllerianas (nota do tradutor: as estruturas Müllerianas são as trompas uterinas, o útero, e o terço superior da vagina). De fato, existiam evidências que o epitélio do próprio ovário maduro poderia originar endometriose, já que o epitélio germinativo poderia ser identificado em cortes seriados do córtex ovariano e vistos se transformarem em estruturas tubulares contendo estruturas glandulares que se assemelham ao endométrio. Enquanto isso parecia solidificar a hipótese de uma origem embrionária para a endometriose, Sampson seguiu em outra direção, baseado em especulação e conceitos duvidosos que pareciam corretos a ele naquele tempo:

  1. Ele observou que a superfície do ovário poderia conter epitélio ciliado semelhante ao revestimento epitelial da trompa de Falópio, concluindo então que o epitélio Mülleriano da trompa de Falópio poderia se descamar e extravasar pela porção fimbrial no final da trompa, aderir-se, e implantar-se no ovário.
  2. Ele concluiu que os túbulos ovarianos de Nagel e Waldeyer deveriam ser o resultado de implantação de epitélio proveniente da trompa de Falópio, ou endométrio sobre o ovário com a formação secundária de túbulos.
  3. Ele concluiu que esses túbulos eram a origem da endometriose ovariana e que os ovários eram os locais mais comuns da doença, em parte porque eles estão muito próximos às trompas uterinas.
  4. Ele concluiu que a endometriose se formava tardiamente durante a vida, geralmente após os 30 anos, porque ele havia visto apenas duas pacientes com menos de 30 anos, e então a endometriose não poderia ser um processo congênito, pois de outra forma seria vista logo após a menarca (nota do tradutor: primeira menstruação).
  5. Por algum método de estudo não claro, ele notou que a endometriose peritoneal e ovariana pareciam ter a mesma idade cronológica, então elas deveriam ter os mesmos locais e tempo de origem, como a menstruação retrógrada.
  6. Observando bloqueio do fundo de saco, leiomiomas e pólipos uterinos em algumas (mas não em todas) pacientes, ele concluiu que essas doenças poderiam ser causadas pela passagem retrógrada de sangue menstrual pelas trompas de Falópio, as quais sempre pareciam estar abertas, facilitando, portanto o desenvolvimento da endometriose.
  7. Ele notou que as aderências ovarianas associadas à endometriose tinham a mesma distribuição daquelas aderências resultantes de salpingite que se espalhava a partir das trompas, e, portanto elas deveriam ter uma origem semelhante, como a menstruação retrógrada.
8. Ele notou que algumas pacientes podiam ter endometriose adenomiomatosa sem a presença concomitante de cistos de endometriomas ovarianos, indicando que, infrequentemente, poderia existir endometriose peritoneal sem a presença de doença ovariana.
Eu e o doutor David Redwine, em 2014, quando ele esteve no Brasil.

Em sua versão final da teoria da menstruação retrógrada [1], ele concluiu que os ovários não eram tão frequentemente acometidos como ele inicialmente pensava. Poderia haver doença peritoneal na ausência de doença ovariana, que na verdade parecia mais comum e com maior importância clínica que a doença ovariana, uma posição que ele mais tarde afirmaria [2]. Como ele havia visto sangue menstrual refluindo pelos óstios tubáreos em cirurgias realizadas durante o período menstrual, e como algumas trompas uterinas removidas durante histerectomias continham fragmentos de endométrio, ele concluiu que a menstruação era a provável causa da endometriose pélvica e ovariana, e que a ruptura dos cistos ovarianos poderia resultar em doença peritoneal por implantação secundária. É claro também em seus trabalhos que o modo de disseminação do câncer ovariano influenciou enormemente as suas conclusões sobre a disseminação da endometriose. É claro também que ele considerou a endometriose como sendo idêntica ao endométrio e que as tubas uterinas eram comumente abertas. Entre os 293 casos diagnosticados cirurgicamente até aquele momento em sua carreira, seis tinham obstrução tubária, e então ele concluiu que a menstruação retrógrada devia ter acontecido antes que a obstrução se formasse. Ele passou grande parte do restante de sua carreira defendendo a sua teoria de ataques de Emil Novak, um dos eminentes ginecologistas da primeira metade do século 20. Dr. Novak era altamente cético sobre as evidências suportando a menstruação retrógrada como origem da endometriose, e defendia a teoria da metaplasia celômica [11].

Por onde começar? Como pode um estudo com um número tão pequeno de pacientes, no qual não houve a confirmação histológica de endometrioma ovariano na maioria delas, ser aceito como o seu trabalho seminal sobre a doença? A relação de causa e efeito entre endometriose e infertilidade proposta por Sampson não parece se sustentar, pois outros fatores de infertilidade não foram considerados, e a noção de que a taxa de fertilidade habitual é próxima de 100% parece injustificada nos dias de hoje. Sampson poderia facilmente ter defendido que a maioria de suas pacientes casadas tinha engravidado, e, portanto a gestação ou a fertilidade são causas de endometriose. Não havia qualquer evidência de que o epitélio tubáreo se descama, adere ao ovário e se transforma nos túbulos ovarianos descritos por Nagel e Waldeyer. Sampson também pegou evidências que haviam sido previamente interpretadas por aqueles que a desenvolveram e que mostravam a transformação do epitélio ovariano cortical em tecido glandular (de “dentro para fora”), e a mudou conforme o seu pensamento, agora introduzindo a interpretação de que elementos glandulares se posicionam sobre o ovário e começam a invadi-lo (de “fora para dentro”). Novamente, não havia nenhuma evidência real para suportar essa usurpação intelectual. A paciente mais jovem diagnosticada com endometriose tinha 10,5 anos [12], e uma vasta literatura sobre a aparência visual da endometriose mostra que as adolescentes podem, de fato, terem endometriose, a qual comumente não é identificada porque é tão sutil. Leia um texto do doutor Redwine sobre endometriose em adolescentes e a história da adolescente Clara Flaviane, de 16 anos. A conclusão incorreta de Sampson de que a endometriose se forma apenas mais tardiamente era claramente consequência de um viés de seleção, já que ele se concentrava em uma forma da doença que era aparentemente mais visível e mais frequentemente diagnosticada devido à presença dos endometriomas ovarianos, os quais ocorrem mais comumente em mulheres de maior faixa etária. A sua conclusão de que a endometriose não poderia ser congênita era insustentável, pois ela surgiu de dados incorretos, e, portanto erode outro dos pilares que sustentam sua teoria. Em relação à ideia de que alterações estruturais ou de posição do útero poderiam favorecer a menstruação retrógrada e o desenvolvimento da endometriose, ele aparentemente não considerou a possibilidade de que a endometriose poderia estar presente antes do surgimento de miomas uterinos ou da retroversão uterina associada ao bloqueio do fundo de saco, o que torna duvidoso o conceito de facilitação da menstruação retrógrada por essas condições. A conclusão de que as aderências da endometriose devem ter uma origem tubária, já que são semelhantes às adesões resultantes de salpingite, é claramente igual à comparação de maçãs a laranjas. O local mais comum de acometimento pela doença começou a mudar na mente de Sampson dos ovários para o peritônio, especialmente o fundo de saco, um processo tido como facilitado pelos efeitos da gravidade, apesar de existir uma plausível explicação alternativa baseada na organogênese pélvica fetal através da cavidade celômica posterior [13]. O conceito de que a endometriose é semelhante ao endométrio foi totalmente desconstruído por pesquisas modernas [14].

A maior parte da teoria de Sampson foi divulgada com base em especulação, erros de interpretação e crenças, ajudada pela falácia de Berkson e enviesada pelo pequeno número de casos visto em sua carreira. Além disso, Sampson tinha claramente um viés para suportar sua teoria e foi o seu grande defensor durante duas décadas. Se a sua teoria for incorreta, ele pode ser perdoado, pois ele trabalhava com o melhor que tinha em mãos. Mas o que dizer do suporte e defesa atuais dessa teoria? Nós temos muito mais evidências do que tinha Sampson. Como nós a utilizamos? Infelizmente, não muito bem. Na ausência de Sampson, gerações de autores fizeram apologia à sua teoria. O que foi escrito no passado distante foi constantemente repetido sem pensar, ou sem considerar as evidências mais recentes. Os dados atuais por vezes são grotescamente modificados para suportarem a teoria da menstruação retrógrada. Há muitos desses exemplos que são claramente identificados pelos clínicos atuais.

... na ausência de Sampson, gerações de autores fizeram apologia à sua teoria. O que foi escrito no passado distante foi constantemente repetido sem pensar, ou sem considerar as evidências mais recentes. Os dados atuais por vezes são grotescamente modificados para suportarem a teoria da menstruação retrógrada...


Nota do Tradutor:
Queridas Leitoras do Blog A Endometriose e Eu
Explicar a endometriose como sendo causada pela menstruação retrógrada talvez seja um dos maiores enganos da Medicina moderna, e, como bem destacado, a maior responsável pela ausência de avanços reais no tratamento da doença. Peço às leitoras que leiam com carinho e atenção esse artigo, publicado em duas partes. Compreender a discussão relacionada à origem da endometriose significa aumentar enormemente as chances de conseguir tratamento adequado e efetivo para a doença.
Nesta primeira parte, Dr. Redwine nos explica que as falhas da teoria da menstruação retrógrada de Sampson decorrem principalmente de como ele interpretou equivocadamente suas observações. Por exemplo, ao observar que quase todas suas pacientes tinham acima de 30 anos, Sampson concluiu que a endometriose só surgiria após essa idade. Ao observar a presença de sangue menstrual na cavidade pélvica em pacientes que eram operadas durante a menstruação, Sampson concluiu que células endometriais livres na cavidade poderiam formar as lesões endometriose. E assim por diante...
Este é certamente o artigo mais importante escrito pelo Dr. David Redwine. Importante, pois aborda a raiz de todo o problema da endometriose: nós médicos só temos chances de tratar corretamente uma doença se conhecermos suas causas e o motivo pelo qual ela se desenvolve. Isso vale para a endometriose, isso vale para qualquer doença. Assim, se entendermos que a endometriose seja causada pela menstruação, estaremos possivelmente fadados às falhas. Por outro lado, se entendermos que a doença está presente desde o período fetal, e que ela se desenvolve lentamente ao longo da vida (até por volta dos 25 a 35 anos), teremos chances de sucesso no tratamento, especialmente o tratamento cirúrgico, quando for necessário. A essência de tudo é só uma: como e porque acontece a endometriose? Eu a tratarei da forma como entendê-la.



Sobre o doutor Alysson Zanatta:
Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e ex-professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

NOVEMBRO AZUL: MÊS DE CONSCIENTIZAÇÃO DO CÂNCER DE PRÓSTATA!



Depois do Outubro Rosa vem o Novembro Azul. Sou muito a favor de tudo que é para conscientizar sobre uma determinada doença. Apesar do A Endometriose e Eu ser voltado à saúde da mulher, em especial, à endometriose, tem muitos companheiros de portadoras que acessam o blog. Muitos já me disseram que foram eles quem achou o blog na internet. Por isso em homenagem aos endomaridos pedi à fisioterapeuta e doutoranda em Urologia Ana Paula Bispo um texto bem completo sobre o câncer de próstata, abordando também os tratamentos, algumas consequências da doença, tais como a incontinência urinária e a disfunção erétil. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA) haverá cerca de 61.200 novos casos de câncer de próstata no Brasil em 2016. O que corresponde a 61,82 casos novos a cada 100 mil homens. Uma estimativa alta. Por isso é preciso falar e muito sobre o câncer de próstata. Afinal saúde é coisa séria e os homens também precisam cuidar da sua e visitar regularmente um urologista para se prevenir. Beijo carinhoso! Caroline Salazar


Por doutora Ana Paula Bispo
Edição: Caroline Salazar


Novembro Azul: mês de luta e de conscientização do câncer de próstata

A próstata é um órgão muito pequeno que se situa logo abaixo da bexiga e à frente do reto. Ela envolve a porção inicial da uretra, tubo pelo qual a urina armazenada na bexiga é eliminada, além de produzir parte do sêmen, liberado durante o ato sexual.

No Brasil, o câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens em todas as regiões do país, perdendo apenas para o câncer de pele não melanoma. O único fator de risco bem estabelecido para o desenvolvimento do câncer de próstata é a idade. Aproximadamente 62% dos casos diagnosticados no mundo ocorrem em homens com 65 anos ou mais.

Alguns desses tumores podem crescer de forma rápida, espalhando-se para outros órgãos e podendo levar à morte. A maioria, porém, cresce de forma tão lenta (leva cerca de 15 anos para atingir 1 cm³) que não chega a dar sinais durante a vida e nem a ameaçar a saúde do homem.

Na fase inicial, o câncer de próstata tem evolução silenciosa. Muitos homens não apresentam nenhum sintoma ou quando apresentam, são semelhantes aos do crescimento benigno da próstata (dificuldade de urinar, necessidade de urinar mais vezes durante o dia ou a noite).

Com a introdução na prática clínica na década de 1990 do PSA (Prostatic Specific Antigen), em conjunto com o exame de toque retal, trouxe a possibilidade de diagnosticar lesões malignas enquanto ainda localizadas na próstata, o que permite, na maioria das vezes, tratamento curativo.

A Prostatectomia Radical é o tratamento padrão-ouro para o câncer de próstata localizado, sendo recomendado pela maior parte dos urologistas. Apesar da cirurgia apresentar bons resultados no controle da doença, a incontinência urinária e a disfunção erétil são suas principais complicações pós-operatórias.

A incontinência urinária afeta o homem substancialmente, levando-o ao desânimo, a depressão e a exclusão social, e tem sido colocada como mais impactante que a disfunção erétil na qualidade de vida do paciente.
Fonte imagem: Master Clinicas

A intensidade e a duração da incontinência urinária pode ser variável, pois a sua ocorrência é diretamente relacionada ao grau de lesão que ocorreu no esfíncter distal durante o ato cirúrgico. É por esse motivo que alguns pacientes que realizaram a cirurgia não desenvolvem o problema, enquanto outros desenvolvem perda severa de urina.


O tratamento fisioterapêutico nesses casos é para a reabilitação dos músculos do assoalho pélvico. O treinamento dessa musculatura visa melhorar a força e a resistência muscular da região, promovendo assim o fechamento uretral. O tratamento pode ser realizado por meio de exercícios dos músculos do assoalho pélvico, biofeedback, eletroestimulação com eletrodo anal, ou a combinação desses métodos.


Sobre a fisioterapeuta Ana Paula Bispo:

Ana Paula Bispo é fisioterapeuta, atualmente faz doutorado em Urologia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é mestre em Ginecologia pela Unifesp, mesma instituição que fez especialização em Reabilitação do Assoalho Pélvico, e docente do curso  de Pós Graduação de Fisioterapia em Uroginecologia da Universidade Estácio de Sá. Siga a fanpage da doutora Ana Paula Bispo.