sexta-feira, 4 de agosto de 2017

DAVID REDWINE: DIAGNÓSTICO LAPAROSCÓPICO DA ENDOMETRIOSE - PARTE 2!!



Na segunda parte do texto "Diagnóstico Laparoscópico da endometriose"(leia a parte 1 aqui), o cientista americano doutor David Redwine destaca os órgãos que devem ser inspecionados pelo cirurgião durante a cirurgia e como ele deve "trabalhar" em cada região. Como já falamos anteriormente - tanto nos textos do doutor Redwine quanto nos do doutor Alysson Zanatta - os focos de endometriose são previsíveis e a maioria deles ocorre nos mesmos lugares. Se o cirurgião souber disso e inspecionar esses locais já será um grande avanço para que a cirurgia seja um sucesso. Neste texto o doutor Redwine reitera que o sucesso da cirurgia se dá devido ao correto diagnóstico visual da endometriose. Se o cirurgião não reconhecer as diversas manifestações da doença, ele poderá não retirar a doença em sua totalidade e ela terá sido em vão para ele e para a paciente que poderá continuar com os sintomas. Compartilhe mais um texto exclusivo A Endometriose e Eu e espalhe a correta conscientização da endometriose. Beijo carinhoso! Caroline Salazar


Por doutor David Redwine
Tradução: doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar

Diagnóstico laparoscópico da endometriose - parte 2:


Inspeção do abdômen superior:

O abdômen superior deve ser inspecionado no início da cirurgia, pois é fácil esquecê-lo mais tarde durante a laparoscopia. O bordo e a superfície hepáticos devem ser visualizados. O diafragma representa o local no abdômen superior com maior probabilidade da endometriose ocorrer. Ambos pilares diafragmáticos devem ser investigados para evidência da doença. Já que o fígado irá obstruir a visualização do diafragma direito durante a posição de Trendelemburg acentuada, é útil que se examine o abdômen superior com a mesa cirúrgica reta, ou mesmo em Trendelemburg reverso, pois isso ajudará o fígado a se mover para longe do diafragma. A inspeção do diafragma é particularmente importante em pacientes com dor torácica ou em ombro que ocorre antes ou durante as menstruações. Algumas pacientes com endometriose diafragmática podem ter uma aparência inócua de lesões sentinelas identificadas no diafragma médio, e com lesões invasivas significantes ao longo do bordo posterior do diafragma (Figura 12). Se forem identificadas apenas as lesões sentinelas, o cirurgião pode trivializar a doença e perder a oportunidade de fazer um diagnóstico completo e correto. Depósitos amarronzados de sangue antigo podem ser encontrados no diafragma (Figura 13), apesar desses não serem endometriose. Tais depósitos de sangue antigo e amarronzado são causados por repetitivos ciclos de ruptura de cistos ovarianos de endometriose (endometriomas).  Quando o cirurgião encontrar tais depósitos no diafragma ou em qualquer outro local da pelve ou abdômen, serão encontrados endometriomas ovarianos significantes em um ou ambos ovários. A vesícula biliar e o baço são eventualmente visíveis sem a necessidade de manipulação no abdômen superior. A inspeção desses órgãos é opcional durante a investigação da endometriose.


Figura 12. Endometriose diafragmática. O diafragma tem apenas 0,5 cm de espessura. A endometriose sintomática do diafragma irá sempre penetrar toda a espessura do diafragma, tornando o tratamento laparoscópico problemático.

Figura 13. Depósitos de hemossiderina no diafragma. Esses depósitos não são endometriose, mas se devem à ruptura e extravasamento repetidos de endometriomas ovarianos. Quando uma coloração diafragmática como essa está presente, o omento e a pelve frequentemente têm depósitos similares de hemossiderina amarronzada. 

Inspeção do ceco, apêndice e íleo:

O laparoscópio agora passa à parede abdominal lateral direita, identificando o cólon ascendente e o transverso. O ceco é visualizado, assim como o apêndice. A endometriose do ceco pode ser notada como uma descoloração avermelhada superficial com nodulação subjacente da parede intestinal. A endometriose no apêndice é geralmente representada por uma tortuosidade localizada sem uma descoloração hemorrágica significativa (Figura 14). Pinças atraumáticas podem ser utilizadas para correr o íleo terminal. A endometriose do íleo é encontrada em geral na borda antimesentérica, normalmente distribuída de forma linear não randômica (Figura 15). Ocasionalmente, o peritônio do mesentério estará acometido por lesões superficiais distribuídas em forma de um leque e correlacionadas com o segmento afetado do íleo. A endometriose nodular do íleo pode resultar em séria retração e levar ao acotovelamento da parede intestinal (Figura 16), algumas vezes com lesões de endometriose avermelhadas sobrepostas.


Figura 14. A endometriose do apêndice é frequentemente assintomática porque costuma estar limitada à superfície peritoneal. A área de acometimento pode ter apenas uma aparência hemorrágica, com retração e fibrose resultantes que produzem encurvamento da ponta do apêndice ou acotovelamento em seu eixo. 
Figura 15. A endometriose de íleo não exibe uma distribuição randômica porque geralmente ocorre em uma distribuição linear na borda antimesentérica na parede intestinal. Essas lesões são mais superficiais e podem normalmente ser removidas por ressecção discoide parcial.


Figura 16. Endometriose de íleo. Retração e cicatrização associadas à invasão da parede intestinal resultaram em distorção e obstrução intestinal parcial. Como a parede do íleo é fina, o tratamento cirúrgico dessas lesões geralmente requer ressecção de espessura total. Em geral, será necessária uma ressecção segmentar para tratar tal processo.

Inspeção do cólon retossigmoide:

O laparoscópio agora se move para o quadrante esquerdo superior e abaixo em direção ao cólon descendente. O retossigmoide é local mais comum de acometimento da endometriose intestinal, portanto atenção deve ser dedicada ao exame do sigmoide desde o bordo pélvico até o fundo de saco. O retossigmoide deve ser tensionado no centro da pelve por tração cefálica na parede intestinal próximo ao bordo pélvico. A superfície anterior do retossigmoide costuma ser acometida por endometriose, então essa tração ajudará a expor quaisquer irregularidades na superfície. A endometriose do cólon sigmoide inicia-se na serosa e pode invadir a camada muscular, mas raramente penetra na luz (Figura 17). A invasão da camada muscular resulta em uma forma visual que pode ser esbranquiçada e sem nenhum componente hemorrágico. Outra manifestação sutil da endometriose do sigmoide é a hipertrofia do apêndice epiploico adjacente à parede intestinal acometida (Figura 18), e que pode às vezes esconder mesmo uma lesão nodular e volumosa. As lesões hemorrágicas podem ocorrer e serem puntiformes, exofíticas, sangrantes ou planas.

Figura 17. Secção transversa de um nódulo retal de endometriose associada à obliteração do fundo de saco. O cirurgião veria apenas uma descoloração avermelhada do assoalho pélvico (adjacente à marca zero no bisturi), enquanto a invasão e a reação fibromuscular estendem-se profundamente por mais de 2 cm.
Figura 18. Hipertrofia do apêndice epiploico indica um nódulo subjacente de endometriose intestinal. ** em sentido horário ** (a) retração da parede intestinal anterior em área acometida por nódulo de endometriose, (b) apêndice epiploico hipertrofiado, (c) apêndice epiploico normal.
Inspeção de fundo de saco:

O fundo de saco é a região pélvica mais comum de acometimento pela endometriose. As possíveis formas visuais aqui são o protótipo das formas visuais plausíveis em quaisquer outros locais da pelve. É necessário que se veja cada área do fundo de saco para diagnosticar a endometriose corretamente, e as áreas imediatamente posteriores ao colo do útero ou atrás dos ligamentos útero-sacros podem passar despercebidas caso o cirurgião não eleve o útero adequadamente (Figura 2).

Os ligamentos útero-sacros representam os limites laterais do fundo de saco e são frequentemente infiltrados por doença invasiva que podem se manifestar como um nódulo palpável esbranquiçado, algumas vezes com uma pequena quantidade de descoloração hemorrágica (Figuras 7 e 8).

Uma variação clínica importante da endometriose do fundo de saco é a sua obliteração, com o reto aderido anteriormente aos ligamentos útero-sacros e colo posterior (Figuras 4, 17 e 19). Isso implica doença invasiva de todas essas regiões, assim como a possibilidade de invasão da própria parede intestinal. Os cirurgiões podem descrever isso apenas como aderências, descrevendo “aderências densas” atrás do colo, ou o “reto aderido ao colo”. Tais descrições implicam que o cirurgião não entendeu o significado clínico dessa forma visual.

Figura 19. Obliteração do fundo de saco pode algumas vezes ser sutil na aparência. A paciente tinha obliteração completa do fundo de saco sem qualquer forma hemorrágica significativa. Alguns cirurgiões podem pensar que o fundo de saco está normal em casos como esse.

Inspeção das paredes pélvicas laterais:

Os ovários estão eventualmente aderidos às paredes pélvicas laterais devido à inflamação associada aos endometriomas ovarianos. Os ovários podem esconder endometriose peritoneal, incluindo doença na própria área da aderência. Tal doença pode não ser vista, mas deve ser suspeitada. Se o peritônio é ressecado, o patologista frequentemente encontrará endometriose mesmo que ela não seja óbvia para o cirurgião. A doença invasiva dos ligamentos útero-sacros envolverá o ureter homolateral algumas vezes com fibrose, e raramente o invadirá.

Inspeção dos ovários:

Os ovários não são o local mais frequentemente de acometimento pela endometriose. Se um cirurgião ou cirurgiã encontra em suas pacientes que os ovários são os locais de acometimento mais frequente, então aquele (a) cirurgião está deixando de diagnosticar bastante doença peritoneal. Os cistos achocolatados ovarianos nem sempre são endometriose, e cistos de corpo lúteo podem mimetizar endometriose [9]. Alguns cistos de endometrioma não são óbvios à inspeção inicial, apesar do ovário poder parecer mais engurgitado e aderente à parede pélvica lateral. Algumas vezes o líquido achocolatado liberado com a ruptura de um endometrioma ovariano terá atingido o peritônio pélvico, o diafragma (Figura 13), ou mesmo o omento. Quando o cirurgião encontra isso, os ovários devem ser dissecados da parede pélvica lateral e puncionados para se checar cistos achocolatados. Aderências hemorrágicas superficiais nem sempre são endometriose (Figura 20), e sempre é melhor confirmar a suspeita clínica com biópsia.
Figura 20. Descolorações avermelhadas puntiformes na superfície deste ovário eram aderências hemorrágicas que foram histologicamente negativas para endometriose. Este ovário continha um endometrioma subjacente que se tornou aparente apenas após a punção do ovário, liberando líquido fluido achocolatado.

Inspeção da bexiga:

A endometriose superficial da bexiga pode ser sutil ou óbvia. A endometriose peritoneal do peritônio da bexiga pode às vezes estar associada com enrugamento e retração do peritônio perto da junção útero-vesical, geralmente sem nenhuma hemorragia aparente (Figura 21). Endometriose invasiva do músculo da bexiga é rara, mesmo quando há distorção significativa presente.

Figura 21. Enrugamento e retração do peritônio da bexiga adjacente ao útero indica endometriose subjacente.

Figura 22. A endometriose invasiva da bexiga geralmente produz distorção significativa e retração das superfícies peritoneais, recoberta por lesões sangrantes da doença. Esta lesão invadiu a camada muscular da bexiga, mas não penetrou sua espessura total. A distinção é clara apenas quando a doença é tratada com a excisão.

Endometriose superficial versus profunda:

A distinção entre endometriose superficial e profunda é importante tanto para o estadiamento da doença como para determinar o tratamento cirúrgico apropriado. A inspeção visual apenas não é suficiente para fazer essa distinção, e a palpação durante a cirurgia é importante. O peritônio adjacente à lesão pode ser tracionado e então puxado ou elevado. Se a lesão for vista movimentando-se sobre os vasos sanguíneos subjacentes ou estruturas pélvicas da parede pélvica lateral, então é superficial. Caso contrário, é profunda, apesar da profundidade da invasão poder não ser aparente sem a dissecção retroperitoneal durante a excisão (Figura 17). Os cirurgiões que tratam a endometriose utilizando vaporização a laser ou cauterização sem palpação podem ver a endometriose como uma doença bidimensional sempre tratável por cauterização superficial ou vaporização, o que seria um sério erro cirúrgico.

Tratamento medicamentoso e a aparência visual da endometriose:

Nenhuma medicação erradica a endometriose. Evidências da eficácia das medicações é baseada na resposta dos sintomas ao invés de resposta comprovada da lesão. Os medicamentos podem fazer a endometriose parecer mais inócua durante a supressão ovariana [10]. Portanto, a prática convencional popular de repetir a laparoscopia após o término do tratamento medicamentoso pode induzir uma falsa segurança no cirurgião, o qual pode ou não reconhecer a endometriose em formas mais sutis. A aparente melhora da endometriose após o tratamento médico não deve ser usada como motivo para não realizar um tratamento cirúrgico completo.

Conclusões:

Todo processo intelectual e terapêutico relacionado à endometriose começa com um cirurgião identificando a doença na pelve. Se o diagnóstico visual da endometriose é incorreto, então o nosso entendimento sobre a doença será incorreto [11]. Visualização, palpação e excisão são normalmente necessárias para distinguir doença superficial de profunda.


Nota do Tradutor: Na segunda parte do texto, o doutor David Redwine destaca os órgãos e locais a serem inspecionados durante uma cirurgia para endometriose. Como dito anteriormente, a endometriose é previsível: ocorre invariavelmente quase sempre nos mesmos locais.
        
Não costumamos inspecionar os rins pois não há relatos de endometriose nos rins. Por outro lado, inspecionamos rotineiramente segmentos intestinais (retossigmoide, ceco, apêndice vermiforme e íleo terminal), pois a possibilidade de endometriose nesses órgãos pode chegar a 30%.
                
Por fim, doutor Redwine reitera que nenhuma medicação é capaz de erradicar a endometriose. Melhoras temporárias dos sintomas são atribuídos à “tratamento” da doença, quando de fato não costuma ser.
               



Sobre o doutor Alysson Zanatta:

Graduado e com residência médica pela Universidade Estadual de Londrina, doutor Alysson Zanatta tem especializações em uroginecologia e cirurgia vaginal pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cirurgia laparoscópica pelo Hospital Pérola Byington de São Paulo e doutorado pela Universidade de São Paulo, USP. Suas principais áreas de atuação são a pesquisa e o tratamento da endometriose, com ênfase na cirurgia de remoção máxima da doença. Seus inter­esses são voltados para iniciativas que promovem a conscientização da população sobre a doença, como forma de tratar a doença adequadamente. É diretor da Clínica Pelvi Uroginecologia e Cirurgia Ginecológica em Brasília, no Distrito Federal, onde atende mulheres com endometriose, e ex-professor-adjunto de Ginecologia da Universidade de Brasília (UnB). (Acesse o currículo lattes do doutor Alysson Zanatta). 

Um comentário:

  1. Boa noite

    A endometriose é uma doença que considero grave, é de suma a importância o tratamento da doença o mais rápido possível. Acabei de passar por duas cirurgias, sendo que na segunda, estive entre a vida e a morte, e como consequência ficou sem o útero e perdi 15 cm do meu intestino delgado, e para minha sobrevivência estou ostomizada meu intestino esta para fora.
    Se cuide ao primeiro sinal de dor, de desconforto ao evacuar ,quando estiver menstruada, procure o medico, não faça como eu que não dei a devida importância e só fui ao medico quando já não aguentava mais.


    atenciosamente

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